A fibromialgia é uma síndrome não inflamatória que se manifesta no sistema musculoesquelético através de dor crônica generalizada, associando‐se com frequência a outros sintomas, como cansaço crônico (fadiga), insônia ou sono não reparador e alterações do humor como ansiedade e depressão, dificuldade de concentração e alterações de memória, cefaleia recorrente, palpitações, parestesias e diarreia. A dor habitualmente demonstra exacerbação após a atividade física e há pacientes que referem intensificação da mesma à exposição ao frio e à umidade.
O diagnóstico é feito com base em dados clínicos e exame físico, e frequentemente longo tempo após o paciente ter procurado auxílio médico, dada a diversidade dos sintomas e a concomitância com artropatias inflamatórias e patologias dolorosas cervicais e lombares. Estão presentes pontos dolorosos detectados ao exame físico (tender points), em regiões anatomicamente determinadas, e classicamente a detecção de onze de dezoito desses pontos determina o diagnóstico, embora pacientes com menos de onze pontos dolorosos possam ser considerados fibromiálgicos na presença dos outros sintomas sugestivos descritos acima.
Não existe uma etiologia definida, mas sabe-se que os pacientes diagnosticados com fibromialgia apresentam alterações de neurotransmissores que resultam numa sensibilização central, que se traduz numa hipersensibilidade aos estímulos dolorosos. A origem da fibromialgia está relacionada à interação de fatores genéticos, neuroendócrinos, psicológicos e distúrbios do sono. As alterações nos mecanismos de percepção de dor atuam como fator que predispõe o indivíduo à fibromialgia, frente a processos dolorosos, a esforços repetitivos, à artrite crônica, a situações estressantes como cirurgias ou traumas, processos infecciosos, condições psicológicas e até retirada de medicações, como corticosteroides.
O tratamento para qualquer condição dolorosa crônica deve ter um enfoque multidisciplinar no sentido de se promover a melhora da qualidade de vida dos pacientes. O uso de antidepressivos como amitriptilina/fluoxetina ou ciclobenzaprina está indicado para controle da dor e da fadiga, além de melhorar a qualidade do sono. Mais recentemente a venlafaxina vem sendo empregada para os pacientes que apresentam um componente importante de transtornos depressivos ou ansiosos.
O tratamento não medicamentoso incluiu medidas de controle do estresse, higiene do sono, psicoterapia, controle do peso, exercícios físicos de baixo impacto (caminhadas ou natação) para aumentar a produção de endorfina e melhorar a oxigenação muscular, alongamento para aliviar a sensação de dor provocada pela contração muscular excessiva, comum em pacientes com fibromialgia. Recomendam-se também técnicas de relaxamento: ioga, meditação, massagem ou hidroterapia.
Uma vez que a acupuntura comprovadamente consegue modular a produção/ação de neurotransmissores e atua no mecanismo de controle da dor, vem sendo cada vez mais recomendada como tratamento complementar à fibromialgia. Em geral, os pacientes fibromiálgicos que procuram a acupuntura já vem com uma história de estar há longo tempo à procura da solução para suas dores e já usaram várias medicações; apresentam múltiplas queixas e mostram-se resistentes tanto ao acompanhamento psicoterápico quando ao uso de antidepressivos, procurando soluções imediatas inclusive com métodos alternativos sem comprovação. Caracteristicamente iniciam várias terapias mas não persistem no tratamento, o que dificulta a avaliação da sua eficácia.
Em primeiro lugar, é necessário conscientizar esses pacientes de que todas as queixas apresentadas fazem parte da mesma patologia, e na medida em que o tratamento evolui os sintomas podem ser atenuados os desaparecer, em tempos diferentes. Costumo explicar que o controle do quadro álgico pode ser alcançado desde que o paciente tenha foco e disciplina para seguir as nossas recomendações. Reitero a importância do tratamento medicamentoso sob orientação do especialista, a necessidade de exercícios regulares e do acompanhamento psicoterápico. Uma vez garantida a adesão a esses três pilares, acrescento a importância do controle do peso e da modificação de determinados padrões alimentares. Para a Medicina Tradicional Chinesa, a síndrome dolorosa está associada também ao acúmulo de umidade é necessário retirar do cardápio alimentos que promovem retenção da umidade. Uma redução de peso corporal de cerca de sete a dez por cento do peso total já melhora a mobilidade de músculos e articulações além de melhorar a autoestima e a qualidade do sono.
Inicialmente recomendo sessões de acupuntura uma ou duas vezes por semana, e os pontos utilizados são selecionados de acordo com o diagnóstico feito pela Medicinal Tradicional Chinesa. Em geral os pacientes começam a referir melhora ao final da segunda semana de tratamento, que passa a ser semanal então por um período mínimo de três meses.
Um estudo realizado para avaliar a eficácia da acupuntura no tratamento da fibromialgia¹ indica que a acupuntura mostrou ser eficaz na redução imediata da dor em pacientes portadores de fibromialgia, com um tamanho de efeito (effect size) bastante significativo. Além do controle da dor, os pacientes tiveram resultado positivo também na qualidade do sono, no controle da depressão e da ansiedade.
A Revisão da Biblioteca Cochrane publicada em maio de 2013 concluiu que há evidências de baixa a moderada qualidade, comparada ao não tratamento e ao tratamento padrão, de que a acupuntura melhora a dor e a rigidez muscular de pacientes com fibromialgia. A acupuntura é aparentemente um método seguro e é provável que a eletroacupuntura seja melhor que a acupuntura manual para a redução da dor, na melhora do bem estar e da fadiga. Estudos maiores são necessários, uma vez que os tamanhos das amostras e a escassez de estudos comparativos enfraquecem a qualidade das evidências e as implicações clínicas.
Foi feita uma revisão na Universidade de Araraquara, publicada em 2017², utilizando artigos coletados no período de 2006 a 2016 nos bancos de dados Lilacs, Scielo, Pubmed, Medline e Bireme. Esta revisão corrobora com os estudos realizados e evidencia que a acupuntura pode ser um método eficaz na redução da dor nos “tender points” e consequentemente no alívio da dor e melhora da qualidade de vida em indivíduos com fibromialgia. Porém, ressalta a necessidade de novas pesquisas para estabelecer condutas com maior rigor metodológico para mensuração quantitativa e qualitativa da efetividade da acupuntura como método de tratamento da fibromialgia.
Após um período de três a seis meses, a quase totalidade dos pacientes submetidos a acupuntura referem melhora importante dos sintomas gerais (qualidade de sono, ansiedade e disposição) e da dor, e nesse momento é possível espaçar as sessões para uma ou duas ao mês, como manutenção, desde que o paciente continue observando as recomendações da equipe. As sessões de acupuntura podem ser mantidas nesse esquema indefinidamente. Dessa forma e seguindo o tratamento multidisciplinar é possível controlar de modo satisfatório os sintomas, proporcionando ao paciente menos sofrimento e mais qualidade de vida.
Fonte: https://pebmed.com.br/acupuntura-no-tratamento-da-fibromialgia/