Um novo estudo mostra que as agulhas diminuem várias dores – mas a ciência não sabe o porquê
Pelo menos 1 milhão de brasileiros se submeteram a agulhadas no ano passado para tratar problemas como dores lombares ou nas articulações. Para muitos, a acupuntura, técnica milenar chinesa baseada no estímulo de pontos do corpo por agulhas, é o último alívio depois de tratamentos com remédios, fisioterapia e, em alguns casos, até cirurgia. A acupuntura é oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 1988 e reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina há mais de 15 anos.
Há décadas os pesquisadores comparam seus resultados aos de outros tratamentos ou mesmo com o poder da autossugestão. Eles querem saber se o alívio proporcionado pela acupuntura é real ou se é influenciado pela vontade do paciente de que dê certo, algo conhecido como efeito placebo. Centenas de estudos já foram divulgados – alguns comprovando a eficácia da técnica, outros desmentindo. Um estudo publicado no site do periódico científico Archives of Internal Medicine, da prestigiada Associação Médica Americana, traz uma resposta à polêmica. Ele diz que o efeito da acupuntura é, sim, verdadeiro. “Nossos dados sugerem que a acupuntura é mais que um placebo contra dores crônicas”, afirma a epidemiologista Karen Sherman, pesquisadora da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, e uma das coautoras do estudo.
A equipe de pesquisadores reavaliou 29 pesquisas que já haviam sido publicadas. Elas foram escolhidas porque tinham a metodologia mais rigorosa na coleta e interpretação dos dados e, em conjunto, analisavam um grande número de pacientes. Foram estudados os casos de quase 18 mil pessoas de Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Espanha e Suécia. Os pesquisadores revisaram os dados desses levantamentos para detectar imprecisões e descartar avaliações tendenciosas. Chegaram à conclusão de que o alívio proporcionado pela acupuntura é maior que o originado pelo efeito placebo – ou seja, não é resultado de sugestão da mente dos pacientes. A pesquisa se restringiu à eficácia da acupuntura no tratamento de dores crônicas, como artrite e enxaqueca. Outros usos, como para tratar ansiedade, casos de depressão ou problemas gastrintestinais, não foram analisados.
Para chegar ao resultado, os estudos analisados no novo levantamento compararam o relato de três tipos de paciente. No primeiro grupo, eles fizeram o tratamento com acupuntura. Os integrantes do segundo grupo não se submeteram à técnica. No terceiro, passaram por uma acupuntura falsa – um método desenvolvido pelos cientistas para enganar os pacientes. As agulhadas eram superficiais ou em pontos do corpo que não são recomendados pela técnica. Em alguns casos, foram usadas agulhas retrá-teis, que fazem pressão e não furam a pele, estímulos elétricos e até laser para simular as perfurações. Os pesquisadores queriam que os pacientes tivessem a impressão de ser tratados para testar se apenas a crença deles na acupuntura era suficiente para gerar a sensação de melhora.
Os resultados sugerem que não. Entre os voluntários que não fizeram acupuntura – nem a falsa nem a verdadeira –, 30% a-firmaram que a intensidade da dor diminuiu com o passar do tempo. Dos que fizeram acupuntura falsa, 42,5% relataram alívio semelhante. Entre os pacientes que passaram pela acupuntura verdadeira, 50% afirmaram que a dor diminuíra. A diferença entre a aplicação da técnica e o efeito placebo não é grande, mas já é suficiente, segundo os pesquisadores, para confirmar que existe algo mais na acupuntura que o poder da sugestão.
A acupuntura suscita a curiosidade de pesquisadores porque a explicação
da medicina chinesa para seu funcionamento não tem correspondência na
ciência médica ocidental. A técnica se baseia na ideia de que a força
vital que traz saúde e bem-estar circula através do corpo por uma rede
de 14 meridianos. Eles interligam 365 pontos que, uma vez pressionados,
têm, de acordo com os preceitos da acupuntura, a capacidade de
desobstruir a circulação da energia. São as interrupções de energia que
causam as doenças, dizem os acupunturistas.
A medicina ocidental tenta explicar a sua maneira os mecanismos fisiológicos que fazem a acupuntura funcionar. Alguns estudos afirmam que o estímulo de terminações nervosas na pele faz com que os músculos conduzam impulsos até a medula, reduzindo a sensação de dor. Outros dizem que as agulhadas ativam neurotransmissores semelhantes à morfina, localizados na medula, que inibem a condução de alertas de dor até o cérebro. Por enquanto, não há consenso.
Os cientistas não se entendem sequer sobre a melhor maneira de medir o resultado da acupuntura. A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou no mês passado um relatório em que explica que é complicado tirar conclusões definitivas sobre a eficácia e os mecanismos de funcionamento da técnica. Os pesquisadores da OMS acham que é difícil separar os resultados das agulhas daqueles provocados pelo efeito placebo. Eles acreditam que o paciente sempre consegue perceber se foi espetado de verdade ou não – por mais criativos que os cientistas sejam ao tentar simular essa sensação. O médico alemão Edzard Ernst, fundador do primeiro departamento do Reino Unido a verificar a eficácia de práticas alternativas, tem opinião semelhante. “Além de ser difícil enganar o voluntário, muitos dos cientistas usam os estudos para comprovar suas crenças, o que pode levar a resultados tendenciosos”, diz Ernst, da Universidade de Exeter. Um artigo alemão sobre dor, publicado em 2005, sugere que 81% dos acupunturistas julgavam o sucesso da técnica com muito otimismo.
O novo levantamento sobre a acupuntura não deve encerrar a polêmica, mas é um passo importante para construir o consenso científico. Para os pacientes, o importante é que ela funcione em alguns casos. Remédios e tratamentos modernos tampouco são eficazes 100% das vezes. “Esse estudo sugere que é melhor usar a acupuntura para tratar dores crônicas do que não usar”, diz o ortopedista André Tsai, do Centro de Acupuntura do Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Fonte: revistaepoca.globo.com
Pelo menos 1 milhão de brasileiros se submeteram a agulhadas no ano passado para tratar problemas como dores lombares ou nas articulações. Para muitos, a acupuntura, técnica milenar chinesa baseada no estímulo de pontos do corpo por agulhas, é o último alívio depois de tratamentos com remédios, fisioterapia e, em alguns casos, até cirurgia. A acupuntura é oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 1988 e reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina há mais de 15 anos.
Há décadas os pesquisadores comparam seus resultados aos de outros tratamentos ou mesmo com o poder da autossugestão. Eles querem saber se o alívio proporcionado pela acupuntura é real ou se é influenciado pela vontade do paciente de que dê certo, algo conhecido como efeito placebo. Centenas de estudos já foram divulgados – alguns comprovando a eficácia da técnica, outros desmentindo. Um estudo publicado no site do periódico científico Archives of Internal Medicine, da prestigiada Associação Médica Americana, traz uma resposta à polêmica. Ele diz que o efeito da acupuntura é, sim, verdadeiro. “Nossos dados sugerem que a acupuntura é mais que um placebo contra dores crônicas”, afirma a epidemiologista Karen Sherman, pesquisadora da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, e uma das coautoras do estudo.
A equipe de pesquisadores reavaliou 29 pesquisas que já haviam sido publicadas. Elas foram escolhidas porque tinham a metodologia mais rigorosa na coleta e interpretação dos dados e, em conjunto, analisavam um grande número de pacientes. Foram estudados os casos de quase 18 mil pessoas de Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Espanha e Suécia. Os pesquisadores revisaram os dados desses levantamentos para detectar imprecisões e descartar avaliações tendenciosas. Chegaram à conclusão de que o alívio proporcionado pela acupuntura é maior que o originado pelo efeito placebo – ou seja, não é resultado de sugestão da mente dos pacientes. A pesquisa se restringiu à eficácia da acupuntura no tratamento de dores crônicas, como artrite e enxaqueca. Outros usos, como para tratar ansiedade, casos de depressão ou problemas gastrintestinais, não foram analisados.
Para chegar ao resultado, os estudos analisados no novo levantamento compararam o relato de três tipos de paciente. No primeiro grupo, eles fizeram o tratamento com acupuntura. Os integrantes do segundo grupo não se submeteram à técnica. No terceiro, passaram por uma acupuntura falsa – um método desenvolvido pelos cientistas para enganar os pacientes. As agulhadas eram superficiais ou em pontos do corpo que não são recomendados pela técnica. Em alguns casos, foram usadas agulhas retrá-teis, que fazem pressão e não furam a pele, estímulos elétricos e até laser para simular as perfurações. Os pesquisadores queriam que os pacientes tivessem a impressão de ser tratados para testar se apenas a crença deles na acupuntura era suficiente para gerar a sensação de melhora.
Os resultados sugerem que não. Entre os voluntários que não fizeram acupuntura – nem a falsa nem a verdadeira –, 30% a-firmaram que a intensidade da dor diminuiu com o passar do tempo. Dos que fizeram acupuntura falsa, 42,5% relataram alívio semelhante. Entre os pacientes que passaram pela acupuntura verdadeira, 50% afirmaram que a dor diminuíra. A diferença entre a aplicação da técnica e o efeito placebo não é grande, mas já é suficiente, segundo os pesquisadores, para confirmar que existe algo mais na acupuntura que o poder da sugestão.
A medicina ocidental tenta explicar a sua maneira os mecanismos fisiológicos que fazem a acupuntura funcionar. Alguns estudos afirmam que o estímulo de terminações nervosas na pele faz com que os músculos conduzam impulsos até a medula, reduzindo a sensação de dor. Outros dizem que as agulhadas ativam neurotransmissores semelhantes à morfina, localizados na medula, que inibem a condução de alertas de dor até o cérebro. Por enquanto, não há consenso.
Os cientistas não se entendem sequer sobre a melhor maneira de medir o resultado da acupuntura. A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou no mês passado um relatório em que explica que é complicado tirar conclusões definitivas sobre a eficácia e os mecanismos de funcionamento da técnica. Os pesquisadores da OMS acham que é difícil separar os resultados das agulhas daqueles provocados pelo efeito placebo. Eles acreditam que o paciente sempre consegue perceber se foi espetado de verdade ou não – por mais criativos que os cientistas sejam ao tentar simular essa sensação. O médico alemão Edzard Ernst, fundador do primeiro departamento do Reino Unido a verificar a eficácia de práticas alternativas, tem opinião semelhante. “Além de ser difícil enganar o voluntário, muitos dos cientistas usam os estudos para comprovar suas crenças, o que pode levar a resultados tendenciosos”, diz Ernst, da Universidade de Exeter. Um artigo alemão sobre dor, publicado em 2005, sugere que 81% dos acupunturistas julgavam o sucesso da técnica com muito otimismo.
O novo levantamento sobre a acupuntura não deve encerrar a polêmica, mas é um passo importante para construir o consenso científico. Para os pacientes, o importante é que ela funcione em alguns casos. Remédios e tratamentos modernos tampouco são eficazes 100% das vezes. “Esse estudo sugere que é melhor usar a acupuntura para tratar dores crônicas do que não usar”, diz o ortopedista André Tsai, do Centro de Acupuntura do Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Fonte: revistaepoca.globo.com